A discursão surgiu em decorrência de uma Ação Civil Pública, movida pela Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do Banco Santander, objetivando a declaração de nulidade de cláusulas constantes em contrato de emissão de cartão de crédito, relativamente ao desconto automático em conta corrente, de valor equivalente ao pagamento mínimo de fatura mensal de cartão de crédito em atraso.
Segue abaixo as cláusulas que ensejaram a ação:
Na primeira instância, a ação foi julgada PROCEDENTE para declarar a nulidade das referidas cláusulas e determinou que a instituição financeira se abstivesse de efetuar os descontos automáticos de dívidas não reconhecidas. Decisão está que se manteve no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde entendeu que a prática do desconto automático em conta corrente, de valor equivalente ao pagamento mínimo da fatura, promovia PENHORA INDEVIDA DO SALÁRIO DO DEVEDOR.
Insatisfeita com as alegações trazidas nas duas decisões, o Banco Santander recorreu ao STJ alegando a inexistência de abusividade quanto ao pagamento de valor mínimo de forma automática através de desconto em conta corrente em caso de inadimplemento, e o não cabimento da restituição em dobro, por não se tratar de má-fe.
Em linha COMPLETAMENTE OPOSTA, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), através do julgamento do REsp 1.626.997, fixou por unanimidade, o entendimento que NÃO SÃO ABUSIVAS as cláusulas trazidas em contratos de cartão de crédito onde autorizam a operadora/financeira a descontar automaticamente em conta corrente do titular o VALOR MÍNIMO DA FATURA que esteja em atraso.
Para o Ministro Relator Marco Buzzi este tipo de cláusula facilitar a satisfação do crédito e a manutenção da contratualidade. Sendo assim, inviável a devolução em dobro dos valores ora descontados pela financeira a título de pagamento mínimo, senão vejamos:
” Portanto, não se reputa abusiva a cláusula inserta em contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira a debitar na conta corrente do respectivo titular o pagamento do valor mínimo da fatura em caso de inadimplemento, porquanto tal ajuste não ofende o princípio da autonomia da vontade, que norteia a liberdade de contratar, tampouco possui o condão de violar o equilíbrio contratual ou a boa-fé, haja vista que tal proceder constitui mero expediente para facilitar a satisfação do crédito
com a manutenção da contratualidade havida entre as partes.” […] “Nessa conjuntura, inviável falar na necessidade de devolução (em dobro) das quantias até então descontadas pela financeira, haja vista que o montante debitado diretamente na conta corrente do titular do cartão a título de pagamento mínimo de fatura está expressamente autorizado por cláusulas contratuais adequadamente redigidas, essas que diversamente do precursionado pelas instâncias ordinárias, não redundam em constrangimento apto a denotar defeito na prestação do serviço, tampouco demonstram desprezo à vulnerabilidade do consumidor no mercado.”
O Ministro Relator citou ainda, precedente do STJ, acerca da não abusividade de cláusula contratual que prevê autorização para o débito em conta corrente de valor afeto a saldo devedor:
DIREITO DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. CLÁUSULA ABUSIVA. ART. 51, IV, CDC. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. RECURSO DESACOLHIDO.
Documento: 2018687 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJe: 04/06/2021 Página 19 de 10 – Superior Tribunal de Justiça
I – Na linha da jurisprudência desta Corte, aplicam-se às instituições financeiras as disposições do Código de Defesa do Consumidor.
II – Não é abusiva a cláusula inserida no contrato de empréstimo bancário que versa autorização para o banco debitar da conta-corrente ou resgatar de aplicação em nome do contratante ou coobrigado valor suficiente para quitar o saldo devedor, seja por não ofender o princípio da autonomia da vontade, que norteia a liberdade de contratar, seja por não atingir o equilíbrio contratual ou a boa-fé, uma vez que a cláusula se traduz em mero expediente para facilitar a satisfação do crédito, seja, ainda, por não revelar ônus para o consumidor.
III – Segundo o magistério de Caio Mário, “dizem-se […] potestativas, quando a eventualidade decorre da vontade humana, que tem a faculdade de orientar-se em um ou outro sentido; a maior ou menor participação da vontade obriga distinguir a condição simplesmente potestativa daquela outra que se diz potestativa pura, que põe
inteiramente ao arbítrio de uma das partes o próprio negócio jurídico”.
[….] “É preciso não confundir: a ‘potestativa pura’ anula o ato, porque o
deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes. O mesmo não ocorre com
a condição ‘simplesmente potestativa'”. (REsp 258.103/MG, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20/03/2003, DJ 07/04/2003, p. 289) – grifo nosso
Fiquemos atentos!
Equipe RenovaJud.
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