Produtor rural ajuíza ação em face da Fazenda do Estado de São Paulo requerendo reparação de perdas decorrentes nos últimos cinco anos dos valores das pautas fiscais sobre o trânsito de mercadorias entre os dois estados.
Em suma, o produtor rural apresentou as seguintes argumentações na exordial:
a. Trata-se de legítimo proprietário de duas glebas, uma situada no Estado de Mato Grosso do Sul, e, outra situada no Estado de São Paulo;
b. A principal atividade desenvolvida é a criação de gado para engorda e abate, sendo a operação realizada parte em Mato Grosso do Sul e parte em São Paulo, sendo que o simples deslocamento de mercadorias entre matriz e filial não é fato impunível tributário sobretudo o ICMS;
c. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul – TJMS, considera o mesmo contribuinte como “estabelecimentos autônomos” para não gerar prejuízos na arrecadação do Estado de onde saiu a mercadoria, o que vai em desacordo com o fixado pelo Tema 1099 do Supremo Tribunal Federal – STF, senão vejamos:
TEMA 1099/STF :
“Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia.”
d. Ressaltou pela aplicação do Princípio da Não-Cumulatividade, no qual a Constituição Federal através do Artigo 155, §2º, inciso I, estabeleceu que no cálculo do imposto ICMS, haverá a compensação do imposto devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores.
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
III – propriedade de veículos automotores.
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
e. Diante do exposto, entende ser devido o reconhecimento do direito de creditar do ICMS referente ao valor total da operação de gado relativa à transferência de gado de MS para SP, com a condenação da Fazenda do Estado de São Paulo a outorgar o direito ao crédito total não escriturado da operação de transferência.
Em defesa a Fazenda do Estado de São Paulo alegou que, não existe acordo com o Estado de Mato Grosso do Sul referente a cobrança do ICMS, e, aceitar que o MS possa determinar unilateralmente a base de cálculo a ser utilizada por SP, viola frontalmente a autonomia legislativa-tributária do estado para cobrar, tributar e arrecadar os seus impostos.
Sendo assim o juiz Mário Roberto Alexandre, da 3ª Vara Cível de Americana (SP), deu provimento a ação ajuizada pelo produtor rural por entender que:
Nos casos em que não existe convênio entre estados referente a cobrança de ICMS, deve ser considerado o valor real da operação, e não aquele estipulado em pautas fiscais, senão vejamos:
“…De início, insta consignar a inexistência de convênio entre os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, referente ao ICMS.
E inexistindo convênio, de rigor que seja considerado o valor real da operação, e não aquele fictamente estipulado em pautas fiscais.
E consigne-se que em relação ao valor das operações, os documentos por amostragem colacionados aos autos pelo autor, revelam a higidez das mesmas, inexistindo quaisquer motivos para que não sejam acolhidos os valores deles constantes.
Saliente-se que a adoção da pauta fiscal paulista, a rigor, afronta o princípio da não-cumulatividade, por não permitir o aproveitamento dos créditos fiscais de maneira integral.”
[…]
“…E que não se olvide, outrossim, o entendimento encampado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul sobre a questão, à luz do qual, tratando-se de uma operação entre dois entes considerados fiscalmente autônomos, há a emissão de nota fiscal de saída tributada interestadual, na qual se apura o ICMS devido e há o pagamento pelo contribuinte, não se revelando razoável, destarte, que seja considerado o valor ficto ao invés do valor real, gerando inegável prejuízo ao contribuinte.
Não se trata, diversamente do quanto argumentado pelo Fisco, de se aceitar que o Estado do Mato Grosso do Sul possa determinar unilateralmente a base de cálculo a ser utilizada pelo Estado de São Paulo, em flagrante violação à autonomia legislativo-tributária deste último ente federado para tributar, cobrar e arrecadar os seus impostos, mas sim de ser acolhido o valor real da operação levada a efeito, para fins de creditamento do ICMS.
De rigor, destarte, o acolhimento das pretensões iniciais.
Diante do exposto e pelo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pelo autor e, consequentemente, JULGO EXTINTO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, forte no artigo 487, inciso I, do CPC, fazendo-o para RECONHECER e DECLARAR seu direito de se creditar do ICMS referente ao valor total da
operação de gado relativa à transferência de gado de MS para SP, bem assim para CONDENAR a ré a outorgar o direito ao crédito total não escriturado da operação de transferência em questão dos últimos 5 anos, com realização administrativa da liquidação, tudo a ser apurado em regular liquidação de sentença.
Processo n. 1010142-91.2020.8.26.0019
Equipe RenovaJud.
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